Recebemos a visita do repórter fotográfico Nilson Soares do blog Só Casca!
O blog é voltado para o mundo das artes-marcias, e conta história de mestre que escreveram e escrevem a história da arte-marcial no Brasil .
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"Você tem que chegar no dojo e cumprir o protocolo, essa obrigação torna você uma pessoa mais sociável e respeitosa" prof. de Kenjutsu do Instituto Niten Vaz Alexandre
Amigos,
A arte marcial de hoje é uma modalidade pouco conhecida do grande público, confesso que eu mesmo tinha uma vaga noção do que fosse o Kenjutsu, na verdade eu confundia com o Kendo, como verão não é a mesma coisa. O Kenjutsu, a "arte da espada", talvez seja uma das mais antigas artes marciais orientais e onde a disciplina e o auto-controle são visivelmente considerados e praticados. O Kenjutsu é ensinado por professores do Instituto Niten, possuem sedes em diversos estados brasileiros e no exterior, e em todas elas pelo que pude ouvir é mantido o padrão de ensino estabelecido pelo sensei Jorge Kishikawa. Mestre Kishikawa resgatou do esquecimento o estilo do famoso Miyamoto Musashi, samurai que viveu no Japão do século XVI. Essas e outras informações obtive conversando com o professor Vaz e assistindo a um dos treinos que a galera da Niten realiza no Clube Monte Sinai na Tijuca. Fiquei bastante impressionado com a disciplina e como fazem do dojo um verdadeiro altar e acho que nesse aspecto muitas outras artes marciais têm a aprender. Sou grato aos professores Wenzel, Vaz, ao sensei Kishikawa, a secretária Patrícia e a todos os disciplinadíssimos e educados alunos do Instituo Niten que permitiram que esta edição do Só Casca! fosse realizada.
1. Só Casca ! – Professor, queria antes de tudo agradecer a senhor e ao mestre Wenzel que prontamente aceitaram o convite de conversar com o Só Casca !. Bom eu queria que o senhor me dissesse como chegou ao Kenjutsu.
2. Vaz Alexandre – Bem, pratico Kenjutsu no Instituto Niten já há 9 anos.
3. Só Casca ! – e por que justamente o Kenjutsu?
4. Vaz Alexandre – Olha, eu lia muito quadrinhos... assistia filmes, é uma arte marcial de origem japonesa, então era nos quadrinhos japoneses, os mangás...
5. Só Casca ! – Tinha quantos anos?
6. Vaz Alexandre – Dezoito anos.
7. Só Casca ! – Antes disso já havia tentado outra arte marcial?
8. Vaz Alexandre – Não, antes disso nunca fiz nada de arte marcial. Como eu dizia, acompanhava os quadrinhos japoneses até que um dia li uma edição da revista Super Interessante contando a história do famoso samurai Miamoto Musashi e coincidiu com a época do filme o Último Samurai, e pronto, aí a coisa se fortaleceu na minha mente. Fiquei impressionado com fato dele ser imbatível em todos os seus combates.. Com uma espada em cada mão enfrentar vários oponentes de uma vez só. Pensei comigo, putz! eu tenho que aprender isso... na época tomei conhecimento que a arte marcial dos samurais só era ensinada em São Paulo, não sabia que havia aqui no Rio de Janeiro. Até que um dia descobri que havia uma unidade do Instituto Niten aqui no Rio, e dias depois já havia me matriculado.
9. Só Casca ! – Por favor, explique para nós, qual da diferença do Kenjutsu que você pratica para o Kendo?
10. Vaz Alexandre – O Kenjutsu é a "arte da espada", desenvolvida e praticada pelos samurais antigos. Cada região, cada feudo tinha seus próprios segredos na manejo da espada. Dá pra imaginar então que exitiam várias técnicas, posturas de combate, inclusive espadas diferentes. Grande parte se perdeu no tempo...
O Kendo é o esporte que surgiu desta arte. Mas muito limitada, com apenas golpes básicos e uma postura padronizada, limitando o praticante do Kendo.
O Kenjustu não é esporte.
11. Só Casca ! – O senhor fez 9 anos ininterruptos, nunca parou?
12. Vaz Alexandre – Não, nunca parei, inclusive não me imagino longe do Kenjutsu nunca.
13. Só Casca ! – Como pessoa e fisicamente o que mudou na sua vida a prática do Kenjutsu?
14. Vaz Alexandre – Como atividade física é muito bom, nós suamos bastante, tem um aeróbico muito bom. Lutamos com uma armadura e espada na mão, que já é um exercício. Num treino bom conseguimos queimar até 1000Kcal! Mas, o principal benefício para mim foi lidar com pessoas, que a cultura marcial acaba trazendo essa questão para a gente, eu era uma pessoa muito tímida. Depois que entrei no Niten, pratiquei alguns anos e isso mudou. Porque pela nossa etiqueta no dojo, você tem que falar com todo mundo, especialmente os mais velhos, os mais graduados. Temos que seguir o protocolo em sinal de respeito e isso me deixou mais aberto e hoje posso dizer que mudei pra melhor.
15. Só Casca ! – esses protocolos no Dojo o senhor acha que ajudam?
16. Vaz Alexandre – Claro! O Sensei está sempre viajando e ensinando coisas novas para a gente, sempre nos deixando mais rígidos, nos protocolos, na marcialidade. Isso obriga você a se integrar, a superar diferenças, timidez, ganhar auto-confiança em nome da harmonia do grupo e do respeito. Não existe no dojo a situação de você não cumprimentar ou deixar de falar com alguém porque não gosta dela, você tem que obedecer ao protocolo e superar qualquer tipo diferença pessoal. Você tem que chegar no dojo e cumprir o protocolo, e essa obrigação torna você uma pessoa mais sociável e respeitosa.
17. Só Casca ! – Competições como são no Kenjutsu?
18. Vaz Alexandre – Elas são Inter América, antes eram nacionais, nós temos dois torneios, um individual e outro por equipes. Abrangemos o Brasil todo, Argentina, Chile, México e até Portugal. São torneiros internos, apenas para os alunos do Instituto, mas nem por isso o evento é pequeno. Os torneios movem centenas! Temos sim a competição, para testar a coragem e o auto-controle, mas acima das medalhas está a confraternização, reencontrar com nossos camaradas e ainda conhecer gente de outros lugares. Fazer amigos através da espada.
19. Só Casca ! – Você já competiu?
20. Vaz Alexandre – Sim, vem do Sensei que temos que nos testar na coragem de entrar na arena ao menos uma vez por ano
21. Só Casca ! – E o Sensei da casa, quem é, qual sua opinião sobre ele?
22. Vaz Alexandre – Ah, o Sensei Jorge Kishikawa é o tesouro nosso! E um monstro! O Sensei treina desde criança, e treinou bastante o Kendo, até o 7º Dan Kyoshi. Mas o próprio Sensei diz que chegou um tempo em que sentia que algo estava faltando. Foi esse sentimento que o levou a procurar o Kenjustu antigo e estudar as aplicações técnicas. Daí há 20 anos atrás nasceu o Instituto Cultural Niten. Fazemos uma coisa que ninguém no mundo faz atualmente. Com o respaldo dos grandes mestres do Japão estudamos técnicas de mais de 500 anos que estão nos Katas, e aplicamos em combates reais com armadura.
23. Só Casca ! – Então o seu Sensei treina o estilo do Miyamoto Musashi?
24. Vaz Alexandre – Sim, o Sensei tem a graduação máxima do estilo de Musashi Sensei. O nome do estilo é o Hyoho Niten Ichi Ryu, que dá nome ao Instituto. Além deste, o Sensei tem grau em vários outros estilos, como o Suiyo Ryu, do famoso Lobo Solitário, Shindo Muso Ryu, que tem como arma o bastão (Jô). São muitos... Por isso digo que o Sensei é incrível, porque tem a confiança dos grandes mestres para passar à frente essas artes antigas. Volta e meia o Sensei nos trás alguma novidade. Estamos sempre em movimento.
25. Só Casca ! – Para a prática, enfim, o treino do Kenjutsu é necessária toda uma indumentária, isso é bem caro, não é?
26. Vaz Alexandre – Olha, no início é um investimento considerável. Todo nosso material é importado e tem qualidade superior, apesar de existir algumas peças fabricadas no Brasil e EUA que são mais baratas, podem não ter a qualidade adequada. A preocupação maior no equipamento é a segurança. Pois, ele pode quebrar, sair farpa, machucar alguém... e coisa do tipo. Mas nesses últimos tempos, nossa tendência é deixar o mais acessível possível para todos aqueles que queiram treinar. Por exemplo, temos equipamentos coletivos para os alunos, espadas, armaduras. Com o tempo os próprios alunos vão querendo seus próprios equipamentos. Temos também o sistema de bolsas para quem precisa.
27. Só Casca ! – Além da armadura usam mais de uma espada?
28. Vaz Alexandre – Sim, temos várias! Com a luta de Bogu (armadura), só utilizamos espadas de bambu. Mesmo as espadas de bambu têm vários tamanhos, que abrem um leque de possibilidades e estratégias. Mas usamos também a madeira, espada de aço... mas em outras modalidades.
29. Só Casca ! – Uma vez conversando com um professor de Takendow, ele me explicou que o kiai tem por finalidade motivar o lutador e intimidar o adversário.
30. Vaz Alexandre – bem é isso mesmo, ali no treino você põe as suas feras para fora, faz o sangue ferver, não sei qual é a justificativa médica, mas a psicológica é para colocar as feras para fora e mostrar para o seu adversário superioridade.
31. Só Casca! – Atletas, especialmente, em artes marciais sempre convivem com lesões em razão dos treinos, no jiu-jitsu e no judô, é muito difícil encontrar algum atleta que não tenha ou já teve um histórico de lesões no ombro ou joelho, quais são as lesões mais comuns para os praticantes de Kenjutsu?
32. Vaz Alexandre – Aqui a gente sempre prima por evitar as lesões, porém conforme o aluno vai ficando mais habilidoso, o treino fica mais sério. O aluno descobre a força e as vezes ele pode desenvolver uma lesão, pode ser no pulso, no joelho. Sempre temos o esforço de evitar lesões.
33. Só Casca ! – No Kenjutsu há contato físico direto? Cinturar o adversário e quedá-lo?
34. Vaz Alexandre – Olha, contao físico no início não temos. O que existe é que quando o aluno chega na faixa vermelha, o 4ºKyu, ele começa a treinar, a aprender as técnicas de espada curta, uma espada utilizada só em uma mão, deixando a outra livre. Então usando todas as possiblidades, com a espada curta e uma mão livre, você pode dominar o adversário e golpear com a espada curta. Acaba assim havendo um contato, golpe com o corpo, que chamados de Irimi. Não temos quedas, mas às vezes acontece entre os mais antigos. Eles sabem até onde podem chegar, e a luta pode ser mais feroz, e acontecer de alguém cair. Já aconteceu comigo, claro.
35. Só Casca ! – Aproveitando sua menção agora, quais são os graus existentes em sua arte, desde o básico?
36. Vaz Alexandre – A faixa branca, sem graduação, a primeira é a azul, que é o 7ºKyu, e aí vai diminuindo até chegar à faixa marrom. Ao invés de marcar a graduação na faixa, que no nosso caso fica oculta sob o hakama, usamos uma targeta colorida no braço direito. As graduações sobem até o 1ºKyu, e depois o 1ºDan, que é a faixa preta. Tem o Senpai Wenzel que é nosso coordenador geral do Rio de Janeiro, que é segundo Dan. Dentro do Kenjutsu, da arte da espada, vai de uns 10 anos para se chegar à preta. Tem critério, precisa treinar bastante. Não há como pular etapas, há técnicas que precisa saber e também comprovar desenvolvimento espiritual.
37. Só Casca ! – Como se avalia isso? O Desenvolvimento espiritual de um praticante de Kenjutsu?
38. Vaz Alexandre – Pelas ações. Pelo convívio dentro do dojo.
39. Só Casca ! – são os colegas ou os professores que avaliam?
40. Vaz Alexandre – são os professores, todos estão observando o comportamento.
41. Só Casca ! – Cite, por favor, uma virtude que um professor vê em um aluno?
42. Vaz Alexandre – Eu costumo chamar de proativo, nas primeiras faixas aquela pessoa que está sempre disposta a ajudar, nos assuntos do Dojo, mas dentro de suas capacidades... estar sempre atento aos mais antigos e aos mais novatos, e por aí vai.
43. Só Casca ! – Essas virtudes, são aleatórias, ou vocês já tem uma lista, digamos assim de “virtudes” exigidas por faixas, por exemplo, a pro-atividade para os iniciantes, uma outra virtude para a faixas intermediárias, é isso?
44. Vaz Alexandre – Existe uma listinha, falado de boca para que cada pessoa se cuide, claro que quanto mais alto o degrau, maior é a responsabilidade, seguimos uma lógica clara. Os mais novatos tem por exemplo que cuidar da própria animação, os veteranos tem que se preocupar com os mais novatos... Nós temos os Momento De Ouro que ajudam também no desenvolvimento pessoal.
45. Só Casca ! – Por favor, explique o que é esse “Momentos De Ouro”?
46. Vaz Alexandre – No final de cada treino, após toda atividade física, todos suados, após todos terem treinado bastante, fazemos uma rodinha e o mais antigo, o professor ou o próprio Sensei, desperta a reflexão para combatermos nossos demônios do nosso cotidiano, de maneira clara, estimulando a utilizarmos essa cultura samurai em nossas vidas.
48. Vaz Alexandre – Sempre motivado, disposto a ajudar o grupo e por aí vai conforme a faixa. O faixa laranja, que já é a terceira graduação, e pode usar o kimono azul ele tem que cuidar dos senpais (veteranos), auxiliá-los, por exemplo.
49. Só Casca ! – quem é a pessoa que é considerada um expoente nessa arte marcial? E por que? É o casca do Kenjutsu.
50. Vaz Alexandre – Ah eu tenho que dar o braço a torcer é pro Sensei mesmo. Passar 40 anos lutando dentro de uma armadura, aprender vários estilos antigos, vários, e se doar para ensinar o Bushido aos ocidentais é longe de ser fácil, muito longe. Sensei criou algo novo, que nem no Japão se faz. E ainda somos aceitos, bem vistos pelos grandes mestres do Japão. Outra coisa é que temos muito mais praticantes da do estilo do Niten Ichi Ryu por exemplo no Brasil que no Japão. Isso é muito gradioso.
51. Vaz Alexandre – Convido a todos que tiverem ou quiserem despertar um guerreiro dentro de si a treinar conosco. Estamos em praticamente todo o Brasil, e aqui no Rio temos Dojos na Tijuca, Botafogo, Nova Iguaçu, Niterói, Nova Friburgo, Volta Redonda... Temos muitos lugares, horários e notícias em niten.org.br - Até o treino!